Contos de Eros

terça-feira, agosto 05, 2014 Rica Matsu 0 Comentarios


Contos de Eros são contos baseados na existência ou não do amor perfeito!




PLATÔNICO E DIONISÍACO


Um amor que só os dois sabiam. Muito além de amor à primeira vista. A troca diária de e-mails, as palavras entendidas de imediato. Todas. Conseguiam captar tudo em uma sintonia singular. Assim, Laura e Bernardo, guardavam uma paixão quem sabe impossível; talvez proibida. Paixão não. Amor. Paixão tem data de validade, o furor da efemericidade.

Apaixonar-se é como levar uma paulada na cabeça. Ou como se alguém lhe injetasse uma droga entorpecente. Cedo ou tarde acaba o efeito. O caso desses dois era diferente. Logo no primeiro contato, eles tiveram a sensação de ter encontrado algo perdido - como se fosse o último animal em extinção descobrindo outro de sua espécie, depois de tantas esperanças mortas.

Já haviam sentido isso, antes mesmo de se encontrarem pessoalmente. Conheceram-se numa dessas redes sociais da Internet. Viviam em cidades diferentes, estados diferentes. Ela no Rio grande do Sul, ele Rio Grande do Norte. Coincidência ou não, esses rios se cruzaram no território onde ninguém manda. E por vontade recíproca mantiveram contato. Ninguém os apresentou, nunca haviam se visto. Bernardo era Advogado e Laura veterinária.

Numa ponte aérea de trabalho, Bernardo encontrou Laura no aeroporto e ali conversaram como amigos de longa data. Poucos minutos de conversa foram longos o bastante para deixar lembranças marcantes nos dois corações. Ele imaginou um amor. Ela talvez nem pensasse isto. Tiveram outros encontros, mas o cotidiano acabou distanciando a presença física. Mesmo assim eles se falavam com frequência. Sempre com o mesmo sentimento. A admiração parecia confundir-se com amor. Era claro o respeito, o cuidado e as milhares imaginações.

Laura era intensa em tudo o que fazia. Costumava dizer tudo o que sentia, ao mesmo tempo era reservada quanto aos seus sentimentos. O que dizer sobre este o qual ainda estava confusa sobre a verdade. Tinha medo de desconstruir a amizade e não conseguir construir de novo. Pois, era um sentimento nunca percebido antes em suas duas décadas de vida. Aliás, coisa rara entre tantas paixões avassaladoras e amores desprovidos de eternidade. Extremamente romântica, tinha sonhos e coração transbordante de esperança. Fãs declarados, todos seus ex-namorados não conseguiram captar a beleza do seu ser e cometeram o pecado de deixá-la.

Já Bernardo era homem instigante de sentimentos profundos, porém, ainda na superfície da profundidade daqueles olhos negros que tanto perturbavam sua cabeça. As lembranças de encontros regado a sorrisos, os abraços mais aconchegantes do mundo. Não teve coragem de se declarar por também temer a ausência daquela sensação divina. Ouvir ou ler poucas palavras de Laura já o confortavam de qualquer coisa triste que passara. Assim como ela, se envolveu em outros relacionamentos. Uns tranquilos, outros conturbados. Buscas de quem procura ciente do lugar onde se esconde o tesouro, mas o evita por medo de encarar pelo tamanho do sentir tão encantador.

O tempo passou, o contato diminuiu. As lembranças faziam o coração praticar contorcionismo. Houve um último encontro. Desta vez, Bernardo pensou em se declarar. Não o fez. Ainda sob efeito de encanto da presença de Laura, sentiu algo ainda mais extremo. Sentiu a sua aura. O sincronismo de dois corações. A ofegância de almas prestes a acasalar. Uma mistura de libido com amor platônico. Laura estava com a mesma profundidade no olhar, mas sem jeito. Tímida como de frente a um ídolo. Mal sabia ela, que ele sentia-se como plebeu diante da princesa.

Despediram-se com um abraço longo e olhar de saudade perpétua. Sem final feliz.



***


PREFERENCIAL Nº 69


Entrou na sala e fechou a porta. Ao virar-se, imediatamente todas as mulheres morderam o lábio inferior. Os poucos homens que estavam no recinto ficaram com cara de inveja dos braços do Conan, evitando olhar para cima, pois na sua linha de visão dava pra ver apenas o peito de pombo do candidato a mister universo. Parecia o diabo na pele de um sedutor que ao invés de infestar o ambiente com enxofre, incendiou todos os lábios com perfume de teor cem porcento feromônio.

As cadeiras estavam quase todas lotadas. O rapaz foi para o fundo da sala e ficou em pé, mesmo violentado pelo olhar de uma ninfeta com cara de santa. Sabe aquelas que não sabem ficar quietas no altar? Dessas! Apesar da tamanha virilidade estava desconcertado devido a tanta concentração de olhares e bocas insinuantes direcionados para ele. Até se esqueceu de pegar senha.

Teve que voltar até a atendente que ao vê-lo passar pelo corredor mulherês, já estava com o dedo no botão de preferencial. A funcionária, que mais parecia uma dançarina no pole dance, emitiu a senha e foi logo dando para o rapaz. Entregou o papelzinho mordendo a tampa da caneta daquele jeito... Coincidência ou não o número da senha era 69. Isso provocou um sorriso no canto da boca do incauto que, por sua vez, fez gerar um coro de suspiros. Ficaram elas com aquelas caras de adoção de cão vira-latas maltratado.

Quando chamou a senha preferencial nº 69, deu a impressão que a multidão de flores ia se levantar e atacar. Se contiveram. Eu nunca tinha visto uma coisa dessas. Um jovem rapaz atendido pela melhor especialista em prótese de silicone. Virei pra minha mulher e disse: É amor, bem achei estranho o cara chegar num conversível ao som da Lady Gaga no último volume.


***


HONESTIDADE


Ailton era gerente de banco. Sua esposa Márcia ficava em casa cuidando da filha de dois anos; também tempo de casados. Antes de se casar fazia estágio em uma agência de publicidade. Ainda namorava Ailton e não tinha filhos. Gostava mesmo era de trabalhar, e não de ficar em casa sem ter o que fazer como algumas mulheres que ficam fazendo unhas todo o final de semana ou lendo Marie Claire o dia todo.

Insatisfeita com o seu cotidiano Márcia contratou uma babá e foi continuar seu estágio na agência. Ailton gostou da ideia, pois assim aumentaria a renda da família. Quase todos os funcionários da agência eram os mesmos do tempo em que fizera o estágio. A não ser Ataliba, um redator contratado há pouco mais de um ano. Homem bonito e simpático. Como a todos da agência, Ataliba passou rapidamente a ser amigo de Márcia, uma extrovertida por natureza.

O convívio diário fez com que Márcia e Ataliba se tornassem muito amigos. Mais que qualquer outra pessoa da agência. Trocavam confidências, almoçavam sempre juntos. No final do estágio Márcia foi contratada também como redatora. E no almoço do dia um dos colegas de trabalho quebrou a rotina oferecendo um brinde à nova contratada. Sem perceber no momento Ataliba e Márcia trocaram um olhar diferente.

Logo depois de alguns dias, os dois pareciam evitar um ao outro se restringindo apenas a assuntos de trabalho. Não queriam acreditar no que estava acontecendo. A amizade, desde o começo, era na verdade um amor à primeira vista enrustido pelas circunstancias ali impostas pelo destino. Ela não conseguia ler à noite enquanto ele terminava seu namoro que acabava de completar um ano.

Sem saber o que fazer, Márcia foi até o restaurante onde Ailton almoçava saindo um pouco mais cedo do horário de almoço. Ambos trabalhavam em bairros diferentes, por isso não almoçavam juntos. Ela queria dizer ao marido tudo o que estava sentindo na tentativa de que pudesse ajudá-la.

Ironia! Ao chegar ao restaurante Ataliba estava sentado em uma das mesas esperando alguém. Márcia foi até ele e o espanto foi recíproco:

- O que você faz aqui? Perguntou Márcia com ar de receio.

- Vim conversar com o Ailton sobre o que sinto por você.

Sentados, um de frente para o outro, Márcia não disse nada, apenas o calou com um longo beijo. Havia reunião extraordinária no banco e Ailton não foi almoçar.

rica


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